Oriente Médio

1. A Importância do Oriente Médio

A Importância para os Cristãos: Passado

O Oriente Médio ocupa uma posição central na fé cristã, não apenas por sua relevância geopolítica atual, mas principalmente por ser o berço histórico da revelação bíblica. Embora o cristianismo tenha se espalhado pelo Ocidente, suas raízes estão profundamente fincadas no solo do Oriente Médio, a começar pelo fato de Jesus ser judeu, nascido e criado na região. A fé cristã nasce no Judaísmo e, portanto, possui uma herança espiritual semita. Nesse sentido, como afirmou o Papa Pio XI, "todo cristão é espiritualmente semita".

O Brasil tem uma ligação histórica com essa região, tendo sido responsável pelo voto que possibilitou a criação do Estado de Israel em 1947 (Oswaldo Aranha). Além disso, possui uma das maiores populações de descendentes de libaneses, em razão de migrações motivadas por perseguições religiosas no período do Império Otomano. A própria figura de Dom Pedro II destaca essa conexão, sendo um estudioso do Oriente Médio que falava árabe e hebraico.

O texto de Gênesis 12.1-3 é chave para entendermos essa ligação espiritual. Deus chama Abrão da Mesopotâmia, promete formar dele uma grande nação e, por meio de sua descendência, abençoar todas as famílias da terra. A promessa inclui Israel, mas também os gentios, como afirma Paulo em Gálatas 3.6-9: todos os que creem são abençoados juntamente com Abraão. Isso não anula as promessas feitas fisicamente a Israel, mas amplia a perspectiva espiritual para os cristãos de todas as nações.

Outro ponto importante é a identidade judaica de Jesus. Ele nasceu como descendente de Davi, viveu como judeu e foi reconhecido até na sua crucificação como "Rei dos Judeus". Os Evangelhos deixam clara sua origem étnica e espiritual, e negar isso é enfraquecer as bases do cristianismo. Ao escolher nascer como judeu no Oriente Médio, Jesus conecta sua missão redentora a um povo, a uma cultura e a uma terra específicos.

O Oriente Médio também foi o cenário do nascimento da Igreja. Em Atos 2, durante o Pentecostes, vemos uma multidão formada por pessoas de diversas regiões médio-orientais ouvindo as maravilhas de Deus em suas próprias línguas. Isso mostra que os primeiros cristãos eram de origens diversas, mas concentrados naquela região. Ainda hoje, estima-se que cerca de 20 milhões de cristãos vivem no Oriente Médio, especialmente no Crescente Fértil e na Península Arábica, apesar das dificuldades enfrentadas, como perseguições e invisibilidade no cenário mundial.

Esses cristãos, chamados por estudiosos como Kenneth Bailey de “os fiéis esquecidos”, continuam vivendo e testemunhando sua fé em meio a culturas e línguas semíticas. Eles representam uma herança viva do cristianismo primitivo e devem ser lembrados, honrados e apoiados pela Igreja global.

A Importância para os Cristãos: Presente

Atualmente, o cristianismo no Oriente Médio enfrenta uma das fases mais delicadas de sua história. Embora a região seja o berço da fé cristã, a presença de cristãos no Oriente Médio e no Norte da África tem diminuído drasticamente nas últimas décadas. No início do século XX, os cristãos representavam cerca de 20% da população regional; hoje, esse número gira em torno de apenas 4%. Em lugares como a Palestina, Síria e Iraque, os números são ainda mais alarmantes, com comunidades quase extintas, muitas vezes por causa da perseguição religiosa e de conflitos prolongados.

Essa perseguição tem se intensificado, especialmente após a chamada “Primavera Árabe” e o surgimento de grupos extremistas como o Estado Islâmico. Países como Síria, Egito, Líbia e Iraque tornaram-se territórios extremamente hostis para os cristãos, que enfrentam sequestros, ameaças, prisões e até assassinatos por causa de sua fé. Em muitos casos, a perseguição não vem apenas do Estado, mas também de famílias, comunidades e líderes religiosos. Países como Irã e Arábia Saudita, por exemplo, são teocracias onde a Sharia é aplicada pelo próprio governo, gerando severas restrições à liberdade religiosa.

Diversos relatórios internacionais confirmam esse cenário preocupante. A Missão Portas Abertas classificou 17 países do Oriente Médio e do Norte da África entre os 50 mais hostis ao cristianismo, com destaque para Líbia, Iêmen, Irã e Arábia Saudita. Relatórios da Comissão de Liberdade Religiosa dos EUA e do governo britânico apontam que a perseguição aos cristãos nessa região já atinge níveis comparáveis ao genocídio. Isso gera um impacto profundo na comunidade cristã, provocando migrações em massa e o esvaziamento da presença cristã em terras onde ela nasceu.

Além da perseguição, outro motivo para a atenção dos cristãos em relação ao Oriente Médio são os chamados "povos não-alcançados". Segundo Jesus, o evangelho precisa ser pregado a todas as nações antes de sua volta (Mateus 24:14). No entanto, o entendimento atual desse mandamento não se refere a países modernos, mas a grupos étnicos e linguísticos que ainda não tiveram contato efetivo com o evangelho. Segundo o Projeto Joshua, existem cerca de 385 desses grupos no Oriente Médio e Norte da África, o que representa cerca de 70% da população da região. Países como Argélia, Marrocos, Tunísia, Turquia, Israel e Palestina são alguns dos que mais concentram esses povos não alcançados.

Diante desses dados, fica claro que o envolvimento da Igreja brasileira com a realidade atual do Oriente Médio é não apenas necessário, mas urgente. O sofrimento dos cristãos locais e a necessidade missionária na região são chamados que exigem resposta ativa, compaixão e intercessão da comunidade cristã global.

A Importância para os Cristãos: Futuro

O Oriente Médio permanece como uma região central nos planos de Deus para a humanidade, não apenas no passado e no presente, mas também no futuro. Apesar de muitos cristãos pensarem que o foco geográfico das profecias bíblicas se deslocou após a primeira vinda de Cristo, a verdade é que diversos textos revelam que essa região continuará sendo palco de eventos decisivos nos dias que antecedem o retorno de Jesus.

Nos Evangelhos, o próprio Cristo demonstrou seu amor e compromisso com Israel. Em Mateus 23, Jesus profetiza sobre o futuro de Jerusalém e afirma que a cidade não o verá novamente até que reconheça sua vinda com a expressão: “Bendito o que vem em nome do Senhor”. Essa declaração aponta para a salvação futura de Israel como uma condição para sua segunda vinda, da mesma forma que em Mateus 24 Ele destaca a pregação do evangelho a todas as nações. Segundo estudiosos como Mike Bickle, existem 150 capítulos na Bíblia que abordam o fim dos tempos, muitos dos quais mencionam locais específicos no Oriente Médio.

A base dessas profecias pode ser traçada até Gênesis 3:15, a chamada “profecia-mãe”, onde Deus anuncia a inimizade entre a descendência da mulher e a serpente, culminando na vitória do Messias sobre Satanás. A partir dela, surgem várias profecias que envolvem diretamente povos e nações do Oriente Médio, como Moabe, Edom, Egito, Filístia, Arábia e outros.

Em Números 24, por exemplo, é profetizada a vinda de um governante de Israel que derrotará os inimigos moabitas e edomitas — regiões hoje correspondentes à Jordânia. Isaías 25 também fala do reino messiânico, onde Moabe será humilhado, e Obadias descreve o julgamento final contra Edom, simbolizando o fim da oposição a Israel. Ezequiel 25 e 30 expandem o juízo divino a outras nações vizinhas, incluindo Egito, Sudão, Líbia, Arábia Saudita, Turquia e o Norte da África — locais que, atualmente, são predominantemente muçulmanos.

Essas profecias, muitas das quais têm um cumprimento parcial no passado, apontam para um cumprimento completo na segunda vinda de Cristo. Portanto, os nomes geográficos citados nas Escrituras não devem ser espiritualizados ou ignorados, pois refletem intenções específicas de Deus para a história.

No entanto, o entendimento dessas profecias não deve gerar preconceito ou hostilidade contra os povos árabes e muçulmanos. Pelo contrário, a Igreja deve responder com amor, compaixão e missão. O papel do cristão não é executar o juízo de Deus, mas anunciar a salvação. O próprio Jesus afirmou que o evangelho será proclamado a todas as nações — o que inclui Moabe, Edom e todos os povos ao redor de Israel. Por isso, o futuro do Oriente Médio, à luz da Bíblia, é um chamado à oração, à esperança e ao envio missionário.


2. Oráculos Proféticos

Método Literal Profético - Joel Richardson

A compreensão moderna do Oriente Médio, embora amplamente utilizada, é um conceito que envolve certo grau de imprecisão. A expressão “Oriente Médio” tornou-se popular após a Segunda Guerra Mundial, substituindo o antigo termo “Oriente Próximo”, mais comum nos estudos bíblicos. Ambos os termos refletem uma perspectiva eurocêntrica, que classifica as regiões do mundo a partir da posição da Europa no mapa. Apesar disso, atualmente há um consenso de que o Oriente Médio inclui os países árabes da Ásia Ocidental e do Norte da África, além de Estados não árabes como Israel, Turquia e Irã.

Dessa forma, o Oriente Médio contemporâneo abrange vinte países: Argélia, Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Omã, Síria, Territórios Palestinos, Tunísia e Turquia. Esse conjunto de nações corresponde, em grande parte, às regiões onde os acontecimentos bíblicos se desenrolaram, especialmente durante o Antigo Testamento. Assim, entender o contexto e a geografia desses países é essencial para a correta interpretação profética e histórica das Escrituras.

Para identificar as nações mencionadas na Bíblia em relação ao cenário geopolítico atual, dois métodos principais têm sido utilizados por estudiosos. O primeiro é o método da migração ancestral, que busca rastrear os povos bíblicos através de suas linhagens e descendência étnica. Embora ofereça algumas conexões plausíveis — como o vínculo entre os árabes e os descendentes de Ismael —, essa abordagem é incerta, pois envolve milhares de anos de transformações históricas, culturais e territoriais, tornando a identificação exata muitas vezes impossível.

O segundo método é o método literal profético, preferido por autores como Joel Richardson e adotado neste curso. Essa abordagem parte da localização geográfica original mencionada nas profecias e busca identificar os povos ou nações que atualmente habitam esses mesmos territórios. Ela evita interpretações arbitrárias e deslocadas, como associar nações profetizadas a países modernos sem conexão histórica direta, como já foi feito indevidamente com os Estados Unidos, a Inglaterra ou até mesmo com os judeus.

Com base nesse método literal, é possível mapear os povos bíblicos para os países atuais, reconhecendo que as profecias falam de realidades geográficas específicas que, mesmo milênios depois, ainda possuem relevância espiritual e teológica. Isso mostra que o Oriente Médio moderno não é apenas cenário de conflitos e tensões geopolíticas, mas também parte integrante do plano de Deus revelado nas Escrituras — desde os tempos de Abraão até os acontecimentos escatológicos ainda por vir.

Perspectiva Profética - John Piper

Interpretar as profecias do Antigo Testamento é um dos maiores desafios para os cristãos contemporâneos. Isso ocorre, em parte, porque a Bíblia foi escrita em contextos históricos, linguísticos e culturais muito diferentes dos nossos. Esse distanciamento dificulta especialmente a leitura de livros como Isaías, Jeremias, Ezequiel e Zacarias, que muitas vezes misturam, em um mesmo trecho, eventos do passado imediato, da primeira vinda de Cristo e até da sua segunda vinda futura. Por isso, compreender o contexto original de cada profecia, bem como sua relação com o restante das Escrituras — especialmente o Novo Testamento — é essencial.

Uma das chaves para lidar com essa complexidade é o que John Piper chama de “perspectiva profética”. Ele compara a visão dos profetas a alguém que observa uma cadeia de montanhas à distância: dois picos podem parecer um só, mas ao se aproximar percebe-se que há um intervalo entre eles. Da mesma forma, os profetas do Antigo Testamento receberam revelações que incluíam acontecimentos separados por séculos, ou até milênios, e nem sempre compreendiam plenamente o que estavam anunciando. Isso é confirmado por Pedro em sua primeira carta, quando afirma que os profetas investigaram cuidadosamente as palavras que receberam, tentando entender o tempo e o cumprimento das promessas messiânicas.

Essa consciência deve nos levar a uma postura de humildade. Não podemos esperar compreender tudo com exatidão, mas isso não nos isenta da responsabilidade de estudar e buscar discernimento. Hoje, temos vantagens que os profetas não tinham: acesso à totalidade das Escrituras, a possibilidade de comparar textos entre si, e o cumprimento já realizado de muitas profecias em Cristo. Também temos o benefício de analisar os acontecimentos históricos dos últimos séculos à luz das Escrituras.

Infelizmente, por medo de cometer erros de interpretação como os do passado — quando grupos cristãos fizeram previsões equivocadas sobre a volta de Cristo —, muitos abandonaram completamente o estudo das profecias. John Piper alerta que, ao rejeitarmos excessivamente os métodos antigos de interpretação, corremos o risco de paralisar o ensino profético e deixar de compreender verdades importantes. Ele acredita que uma nova geração de cristãos, séria quanto às Escrituras, se levantará com coragem para estudar, cantar e proclamar as verdades escatológicas com equilíbrio e reverência.

Um exemplo prático desse tipo de leitura é Isaías 11. Piper divide o capítulo em quatro partes: (1) a descrição do Messias como o ramo do tronco de Jessé; (2) a paz e justiça de seu reino; (3) o chamado das nações ao Messias; e (4) a reunião final de Israel. Para ele, esse texto aponta para uma visão escatológica em que o evangelho será proclamado a todos os povos, a nação de Israel será salva e Cristo reinará na terra por mil anos — visão conhecida como pré-milenismo.

Com base nisso, Piper destaca três aplicações importantes: (1) Jesus, o Ramo de Jessé, é o sinal de salvação para todos os povos; (2) Ele governa com justiça e chama o Seu povo a viver com retidão; e (3) a glória de Cristo é o destino final do seu povo. Essas aplicações reforçam que o estudo das profecias não é apenas intelectual, mas profundamente espiritual e prático, pois nos aponta para a missão da Igreja, a santidade e a esperança futura.

Teologia da Promessa - Walter C. Kaiser Jr.

Ao interpretar as profecias do Antigo Testamento, é fundamental considerar, além do contexto histórico e literário, a maneira como se entende a relação entre Israel e a Igreja. Essa questão tem sido discutida ao longo de séculos entre teólogos, desde os Pais da Igreja até os dias atuais, e ganhou nova intensidade com a fundação do Estado de Israel em 1948. A partir disso, surgiram diferentes correntes que influenciam profundamente a forma como se compreendem as promessas bíblicas.

Duas das principais correntes teológicas que se debruçam sobre essa relação são o dispensacionalismo e o aliancismo (ou teologia do pacto). O dispensacionalismo, popularizado por obras como a série “Deixados para Trás”, defende uma distinção clara entre Israel e a Igreja. Segundo essa perspectiva, Deus tem dois povos distintos e planos paralelos: um para a nação judaica e outro para a Igreja, que surge após Pentecostes. Os dispensacionalistas interpretam as profecias de forma futurista e literal, acreditando, por exemplo, que os judeus serão reunidos novamente em sua terra antes da volta de Cristo. Essa visão é geralmente associada à escatologia pré-milenista.

Já o aliancismo entende que Deus sempre teve um só povo: a Igreja seria a continuação espiritual do Israel do Antigo Testamento, composta por todos os que creem — judeus e gentios. Essa perspectiva é comum em igrejas reformadas, com destaque para teólogos como João Calvino. Escatologicamente, o aliancismo tende ao amilenismo ou pós-milenismo. Há, contudo, divergências internas: alguns acreditam que Israel não possui mais um papel específico no plano de Deus, enquanto outros admitem uma futura reconciliação do povo judeu com o Messias.

Em meio a essas visões, o curso propõe uma terceira abordagem: a teologia do plano da promessa de Deus, conforme defendida por Walter C. Kaiser Jr. Essa visão busca unir elementos válidos de ambas as escolas, mantendo a promessa de Deus como eixo central da narrativa bíblica. Segundo Kaiser, toda a história da redenção está estruturada em torno da promessa de Deus, desde o Éden, passando pelos patriarcas e chegando até a Igreja. Essa promessa, feita a Israel, é estendida aos que creem — judeus e gentios —, formando um único povo de Deus, mas com distinções reconhecidas entre Israel e a Igreja.

Kaiser argumenta que a Igreja foi enxertada na oliveira de Israel, conforme Romanos 9 a 11, e não o contrário. A nova aliança, descrita em Jeremias 31, foi feita com a casa de Israel e Judá, embora a Igreja participe de seus benefícios. Não há, em toda a Bíblia, uma aliança feita exclusivamente com a Igreja. Assim, o povo de Deus é um só — aquele que crê —, e o Reino de Deus é a expressão desse plano contínuo que atravessa toda a história.

Essa abordagem permite reconhecer que ainda existem promessas literais a serem cumpridas na nação de Israel, sem separar os crentes judeus e gentios como se fossem dois povos distintos. É um chamado ao equilíbrio: não ignorar as raízes judaicas da fé cristã, mas também não espiritualizar ou substituir as promessas feitas por Deus no Antigo Testamento. A partir desse entendimento, o curso propõe, na próxima aula, a análise de profecias específicas como Isaías 19, à luz dessa teologia centrada na promessa.

Isaías 19: As Bênçãos Futuras para o Oriente Médio

O capítulo 19 do livro de Isaías apresenta uma das profecias mais impressionantes e, ao mesmo tempo, menos exploradas sobre o futuro do Oriente Médio. Trata-se de uma passagem que, apesar de fazer parte de uma série de oráculos contra as nações vizinhas de Israel, termina com uma surpreendente promessa de restauração e reconciliação. A profecia é dirigida especificamente a três povos historicamente inimigos: Egito, Assíria e Israel — regiões que, hoje, correspondem a países como Egito, Síria, Iraque e parte da Turquia.

No início do capítulo, o texto descreve o juízo de Deus sobre o Egito e seus ídolos. Contudo, a partir do verso 22, há uma mudança de tom, e o profeta passa a anunciar cura, reconciliação e adoração conjunta entre egípcios, assírios e israelitas. Isaías afirma que haverá uma estrada de paz entre essas nações e que todas adorarão juntas ao Senhor. O ponto culminante do texto está na declaração divina: “Bendito seja o Egito, meu povo, a Assíria, obra de minhas mãos, e Israel, minha herança” (Is 19.25). Essa afirmação revela o desejo de Deus de incluir diferentes nações em seu plano redentor, sem apagar a identidade única de Israel.

Teólogos ao longo da história interpretaram essa passagem como uma promessa futura ainda não cumprida. Matthew Henry, de tendência aliancista, acredita que esse texto aponta para o tempo em que judeus e gentios formarão um só povo sob o pastorado de Cristo. Ele destaca que a antiga separação entre judeus e não judeus será desfeita, e juntos formarão um “cordão de três dobras”, tornando-se uma bênção no meio da terra. Spurgeon, por sua vez, vê essa profecia como uma promessa ainda pendente de cumprimento literal. Para ele, o texto reforça a importância da obra missionária, mesmo diante de séculos de aparente insucesso.

A interpretação adotada no curso baseia-se na teologia do Plano da Promessa de Deus, proposta por Walter C. Kaiser Jr. Segundo essa perspectiva, Isaías 19 expressa a dimensão internacional da promessa divina e mostra que Deus trata não apenas com indivíduos, mas com povos inteiros. O juízo descrito na profecia teria começado a se cumprir em parte nas guerras entre Israel e Egito (1967 e 1973), mas o seu cumprimento completo acontecerá por ocasião da segunda vinda de Cristo, quando Israel reconhecerá Jesus como Messias e todas essas nações adorarão juntas ao verdadeiro Deus.

Kaiser organiza o texto de Isaías 19 em cinco momentos: (A) a conversão do Egito, (B) a adoração a Deus e o envio de um Redentor, (C) o conhecimento de Deus em todo o Egito, (D) a adoração conjunta entre Egito e Assíria, e (E) a bênção sobre Israel e o Oriente Médio como um todo. Essa leitura sustenta a escatologia pré-milenista e reafirma a literalidade das promessas proféticas, sem romper com a ideia de que Deus tem um só povo, formado por judeus e gentios redimidos.

Essa profecia, portanto, oferece uma visão esperançosa e poderosa do futuro do Oriente Médio. Ela desafia a Igreja a orar, trabalhar e crer em um tempo em que antigos inimigos serão reconciliados sob o governo de Cristo. Isaías 19 não é apenas uma previsão de eventos futuros, mas uma convocação para que o povo de Deus compreenda que a redenção é para todas as nações e que o Oriente Médio, tão marcado por conflitos, será também um lugar de adoração, cura e bênção.

Amilenistas, Pós-milenistas e Pré-milenistas

A escatologia — o estudo das últimas coisas — é uma das áreas mais debatidas dentro da teologia cristã, mas também uma das mais fundamentais. Embora muitos a associem apenas ao livro do Apocalipse, ela permeia toda a Bíblia e está profundamente ligada à mensagem do evangelho. Como afirma A.W. Tozer, a profecia não tem como objetivo alarmar, mas preparar os cristãos para a volta de Cristo, a qual é chamada de “a bem-aventurada esperança” (Tito 2.13). Estudar escatologia é, portanto, conhecer mais sobre Jesus, ser transformado à sua imagem e viver em santidade à luz da sua segunda vinda.

As três principais correntes escatológicas dentro do cristianismo são o pré-milenismo, o pós-milenismo e o amilenismo. Todas concordam em dois pontos fundamentais: a certeza da segunda vinda física de Jesus e o fato de que ninguém sabe quando ela acontecerá. A divergência entre elas está, sobretudo, na interpretação do capítulo 20 do Apocalipse, que fala sobre o reinado de mil anos com Cristo.

O pré-milenismo defende que Jesus retornará antes de um milênio literal, no qual reinará sobre a terra. Essa escola se divide entre duas vertentes: o pré-milenismo histórico e o pré-milenismo dispensacionalista. Os dispensacionalistas, além de esperarem o reino milenar após a volta de Jesus, também creem em um arrebatamento da Igreja antes da grande tribulação (pré-tribulacionista). Já os históricos veem o arrebatamento como parte do próprio retorno de Cristo (pós-tribulacionista).

O pós-milenismo, por sua vez, entende que o milênio será um longo período de paz e prosperidade, promovido pela expansão do evangelho, e que a volta de Jesus ocorrerá somente depois desse tempo

Para os amilenistas, o milênio é simbólico e já está em andamento desde a ressurreição de Jesus, sendo vivido espiritualmente através da Igreja.

Essas visões escatológicas afetam diretamente como cada grupo interpreta as profecias do Antigo Testamento, especialmente no que diz respeito a Israel. Os pré-milenistas tendem a entender as promessas feitas a Abraão e seus descendentes em Gênesis de forma literal, acreditando que se cumprirão na história futura do povo judeu. Já os pós-milenistas e amilenistas, em geral, consideram que essas promessas se cumprem espiritualmente na Igreja, embora muitos ainda prevejam um avivamento entre os judeus no fim dos tempos, como sugerido em Romanos 11.

Apesar das diferenças de interpretação, todas essas correntes concordam em um ponto essencial: o Oriente Médio tem um papel relevante nos eventos finais da história. Como vimos, trata-se de uma região com grande número de povos ainda não alcançados pelo evangelho. E segundo Mateus 24.14, Jesus só retornará quando o evangelho tiver sido pregado a todas as nações. Apocalipse 7 também confirma que, no fim, haverá diante do trono de Deus uma multidão de todas as línguas, povos e tribos adorando ao Cordeiro.

Dessa forma, independentemente da visão escatológica adotada, todo cristão é chamado a se importar com o Oriente Médio — não apenas por seu passado bíblico, mas pelo seu futuro profético. Deus ainda tem planos para os povos da região, sejam judeus ou gentios, e a Igreja deve orar, anunciar e esperar com fé o cumprimento de todas as suas promessas.


3. Os Filhos de Isaque

O papel de Israel na História da Redenção

A história de Israel não é apenas relevante para o povo judeu, mas para todos os cristãos. O cristianismo tem raízes profundas no judaísmo, sendo impossível compreendê-lo plenamente sem considerar o contexto e o papel do povo judeu na história da salvação. Como apresentado na aula anterior, os cristãos são, espiritualmente, herdeiros das promessas feitas a Israel. Contudo, isso não significa que a Igreja substituiu Israel. Ao contrário, a Bíblia afirma que a Igreja foi enxertada na oliveira de Israel (Rm 11), e que o tratamento de Deus com o povo judeu serve de modelo para sua relação com os crentes de todas as nações.

Esse entendimento se fundamenta especialmente nas promessas feitas a Abraão em Gênesis 12. Nesse capítulo, Deus estabelece três promessas fundamentais: (1) a posse de uma terra específica para sua descendência; (2) a formação de uma linhagem de descendentes justos; e (3) a bênção sobre todas as nações da terra por meio dele. Essas promessas não são vagas ou simbólicas, mas territoriais, genealógicas e universais, e permanecem como pilares do plano de redenção divino.

O Novo Testamento confirma e aprofunda essas promessas. Jesus, por exemplo, reafirma que sua segunda vinda está ligada ao arrependimento e reconhecimento do povo judeu, como vemos em Mateus 23:37-39. Em Mateus 24:14, Ele também destaca que o evangelho deve ser pregado a todas as nações antes do fim — retomando a promessa de que todas as famílias da terra seriam abençoadas por meio de Abraão. Em Atos 1:6-8, quando os discípulos perguntam sobre a restauração do reino a Israel, Jesus não os corrige, mas afirma que isso acontecerá em tempo oportuno, ligado à missão da Igreja de alcançar os confins da terra.

O apóstolo Paulo, em Gálatas 3:15-16, afirma que todas as promessas feitas a Abraão se cumprirão em seu descendente — isto é, em Cristo. Assim, é Jesus quem encarna o cumprimento perfeito dessas promessas, tanto as nacionais quanto as espirituais. Isso não minimiza o valor da aliança com Israel, mas a amplia, tornando acessíveis as bênçãos a todos os que creem, independentemente da etnia.

Portanto, estudar a história de Israel é essencial para o cristão que deseja compreender a fidelidade de Deus e a profundidade do plano redentor. Não se trata de um tema periférico ou apenas histórico, mas de algo central na fé cristã. O cumprimento das promessas feitas a Israel está diretamente ligado à vinda do Messias e à redenção de toda a humanidade. Conhecer essa história é, também, conhecer melhor o caráter imutável de Deus e sua fidelidade em cumprir cada palavra.

Romanos 11: O Futuro de Israel

A passagem de Romanos 11 é uma das mais significativas das Escrituras no que diz respeito ao futuro de Israel como povo étnico. Nela, o apóstolo Paulo discute o mistério da rejeição temporária de Israel e a fidelidade contínua de Deus às suas promessas. O apóstolo começa advertindo os cristãos gentios a não se tornarem presunçosos em relação aos judeus. A salvação ter alcançado as demais nações não significa que Deus tenha abandonado Israel. Pelo contrário, Paulo ensina que o endurecimento de Israel é parcial e temporário, e que existe um plano redentor que ainda será plenamente revelado.

Esse “endurecimento em parte” consiste em uma insensibilidade espiritual que recaiu sobre os judeus como grupo étnico, impedindo que a maioria reconhecesse Jesus como o Messias. No entanto, isso não se aplica a todos: ao longo da história, sempre houve um “remanescente fiel” — judeus que creram no evangelho. Esses fazem parte da Igreja de Cristo e representam uma amostra da reconciliação futura. O endurecimento perdurará até que se complete a “plenitude dos gentios” — ou seja, até que todos os eleitos entre as nações tenham ouvido e respondido ao evangelho. Isso remete à missão global da Igreja de pregar às nações, conforme as palavras de Jesus em Mateus 24:14 e 28:18-20.

No versículo 26, Paulo afirma que “todo Israel será salvo”. Essa expressão tem gerado grande debate entre estudiosos. Três interpretações principais surgem desse trecho: (1) que “Israel” é um termo espiritual que se refere à Igreja como um todo; (2) que se refere apenas ao remanescente judeu eleito ao longo da história; e (3) que se refere à nação de Israel como um grupo étnico que, no futuro, será reconciliado com Cristo. Esta última é a posição adotada neste curso, pois está mais de acordo com o contexto do capítulo 11, especialmente os versículos 28 e 29.

Paulo deixa claro que, quanto ao evangelho, Israel está atualmente em oposição — é “inimigo”mas quanto à eleição, continua sendo “amado por causa dos patriarcas”. Isso aponta diretamente para as promessas feitas a Abraão, Isaque e Jacó, reafirmando que os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis. Ou seja, Deus não rejeitou Israel definitivamente, e sua fidelidade às promessas da aliança permanece. Essa visão é reforçada por estudiosos como John Murray, que vê em Romanos 11 uma clara indicação de que Deus ainda restaurará Israel como nação, cumprindo plenamente seu plano redentor.

Dessa forma, compreende-se que Israel continua tendo um papel ativo na história da redenção. A Igreja deve evitar qualquer atitude de superioridade ou esquecimento em relação aos judeus. Ao contrário, é chamada a orar, testemunhar e esperar pela reconciliação futura de Israel com seu Messias, como parte essencial do cumprimento do plano eterno de Deus.

Israel e a Tradição Reformada

A relação entre a tradição reformada e o povo judeu é marcada por tensões históricas e teológicas. Embora a Reforma Protestante tenha sido um marco fundamental para o cristianismo, seu principal líder, Martinho Lutero, deixou um legado contraditório em relação a Israel. Em sua fase final, Lutero publicou o polêmico livro “Os Judeus e Suas Mentiras” (1543), no qual incentivava a perseguição aos judeus, sugerindo inclusive a destruição de sinagogas e o confisco de propriedades. Suas palavras influenciaram negativamente o antissemitismo na Europa, especialmente na Alemanha, e esse discurso gerou consequências profundas e dolorosas.

Apesar do posicionamento hostil de Lutero, a tradição reformada como um todo não é uniforme em relação ao povo judeu. Teologicamente, o sistema reformado é predominantemente aliancista, ou seja, vê a Igreja como herdeira espiritual das promessas feitas a Israel. Isso levou muitos reformadores a interpretarem as profecias do Antigo Testamento como cumpridas na Igreja, em vez de esperarem um futuro literal para a nação de Israel. No entanto, essa visão não exclui completamente a possibilidade de uma restauração futura de Israel.

O Catecismo Maior de Westminster, um dos documentos fundamentais da fé reformada, reconhece claramente a possibilidade da salvação futura dos judeus. Na pergunta 191, ao tratar da petição “Venha o teu Reino”, menciona-se explicitamente a “chamada dos judeus” e a plenitude dos gentios como parte do plano de Deus. Essa menção demonstra que os primeiros reformadores viam em textos como Romanos 11 uma esperança futura para a nação de Israel.

O próprio João Calvino, embora interpretasse “todo Israel” como a totalidade do povo de Deus — judeus e gentios —, admitia que os judeus ainda ocupariam um lugar de preeminência no plano de Deus. Já a partir do final do século XVI, os puritanos começaram a desenvolver uma visão mais clara sobre a restauração nacional de Israel, distinguindo as promessas dirigidas à etnia judaica daquelas voltadas à Igreja universal. Entre os nomes que abraçaram essa interpretação destacam-se John Owen, John Bunyan, Jonathan Edwards e Thomas Draxe.

Jonathan Edwards, por exemplo, afirmou que a conversão nacional dos judeus é uma das profecias mais certamente previstas nas Escrituras. Outros expoentes reformados como Charles Spurgeon, Matthew Henry e J.C. Ryle também sustentaram posições semelhantes. Ryle acreditava na restauração dos judeus como nação e em sua conversão à fé cristã, baseada em passagens como Jeremias 30, Romanos 11 e Zacarias 13.

Na atualidade, embora a maioria dos teólogos reformados adote uma escatologia amilenista, há ampla aceitação da ideia de um futuro avivamento entre os judeus. Teólogos respeitados como J.I. Packer, Martyn Lloyd-Jones, Doug Wilson, Douglas Moo, Thomas Schreiner e Augustus Nicodemus reconhecem esse aspecto. Isso mostra que, apesar do passado controverso, a tradição reformada comporta múltiplas visões sobre Israel, incluindo interpretações mais literais das profecias do Antigo Testamento.

Dessa forma, é possível afirmar que a esperança de um futuro para Israel não é incompatível com a teologia reformada. Ao contrário, há um rico legado de pensadores reformados que sustentam, com base em Romanos 11 e outras passagens, a expectativa de uma futura reconciliação da nação de Israel com seu Messias.

Panorama do Conflito Árabe-Israelense

A relação dos judeus com a terra prometida a Abraão é marcada por altos e baixos ao longo da história. Ainda nos tempos bíblicos, os israelitas foram exilados duas vezes devido à desobediência às advertências proféticas. No período de Jesus, viviam sob domínio romano, e essa condição persistiu até o ano 70 d.C., quando Jerusalém e o Segundo Templo foram destruídos. A partir de então, iniciou-se um longo período de dispersão — a diáspora judaica — embora uma presença judaica contínua tenha permanecido na região, que passou a ser chamada Palestina.

Durante os séculos seguintes, diversos impérios ocuparam a Palestina, sendo o último deles o Império Otomano (1517–1917). Nesse contexto surgiu o movimento sionista, impulsionado principalmente por perseguições antissemitas na Europa Oriental. A primeira grande migração judaica moderna (aliá) aconteceu entre 1822 e 1903, principalmente de judeus vindos do Império Russo. O sionismo ganhou corpo com o jornalista Theodor Herzl, que publicou em 1895 o livro “O Estado Judeu”, propondo a criação de um lar nacional judaico na Palestina. Em 1897 foi realizado o Primeiro Congresso Sionista, marcando a organização política do movimento.

Durante o Mandato Britânico na Palestina, estabelecido após a Primeira Guerra Mundial, a migração judaica aumentou. Em 1917, os britânicos publicaram a “Declaração de Balfour”, que apoiava o estabelecimento de um lar nacional para os judeus, mas ignorava os acordos anteriores com os árabes. Conflitos entre judeus e árabes começaram a se intensificar, culminando em episódios como o massacre de judeus em Hebron, em 1929. Em resposta à tensão crescente, os britânicos propuseram a partilha da Palestina, criando dois Estados. No entanto, os líderes árabes rejeitaram completamente a proposta, o que agravou os conflitos.

A situação se agravou ainda mais com o avanço do nazismo e o Holocausto. A política migratória britânica passou a restringir a entrada de judeus na Palestina, mesmo diante do genocídio nazista. Após o fim da Segunda Guerra Mundial e com a criação da ONU, foi apresentada uma nova proposta de partilha, que dividia a Palestina entre um Estado judeu, outro árabe e um setor internacionalizado em Jerusalém. Em 1947, a resolução foi aprovada com o voto decisivo do Brasil, representado por Oswaldo Aranha. Os judeus aceitaram a proposta; os árabes, não.

A independência de Israel foi proclamada em 14 de maio de 1948. No dia seguinte, vários países árabes invadiram o novo Estado, dando início à primeira guerra árabe-israelense. Israel venceu o conflito, expandindo seu território em 20 mil km². A guerra resultou na expulsão de cerca de 800 mil árabes palestinos — episódio lembrado como a “Nakba” (catástrofe) pelos árabes — e na morte de milhares de judeus, inclusive sobreviventes do Holocausto.

A Guerra dos Seis Dias, em 1967, foi outro marco importante. Em resposta à mobilização de tropas árabes, Israel lançou um ataque preventivo e, em seis dias, venceu o Egito, Síria, Jordânia e Iraque. Conquistou a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, as Colinas de Golã, Jerusalém Oriental e o Sinai. Essa vitória ampliou significativamente o território de Israel, mas também levou ao controle de grandes populações árabes-palestinas, dificultando as negociações para a criação de um Estado palestino.

Apesar de posteriormente devolver o Sinai ao Egito em 1982 e entregar a administração da Faixa de Gaza aos palestinos em 2005, Israel continua controlando a Cisjordânia e as Colinas de Golã. A anexação de Golã foi reconhecida pelos EUA em 2018, o que gerou controvérsias na comunidade internacional. O conflito entre judeus e árabes, especialmente palestinos, segue sendo um dos mais complexos do cenário geopolítico atual, com raízes históricas, religiosas e políticas profundas.

A Nova Posição de Israel

Após a Guerra dos Seis Dias (1967), Israel emergiu como uma potência militar no Oriente Médio, alterando significativamente a percepção internacional sobre sua permanência como Estado. Até então, muitos árabes acreditavam que a existência de Israel era temporária e que o retorno dos refugiados palestinos à terra seria inevitável. A vitória relâmpago e a conquista de territórios estratégicos, no entanto, mudaram o cenário político regional e alimentaram um sentimento de humilhação e injustiça entre os países árabes, o que culminaria em novos conflitos.

Em 1973, Egito e Síria lançaram um ataque surpresa contra Israel durante o feriado do Yom Kippur, um dos dias mais sagrados do calendário judaico. A guerra durou até 26 de outubro e, diferentemente da Guerra dos Seis Dias, representou um grande desafio para os israelenses. A mobilização militar foi dificultada pela data, o que deu vantagem inicial aos países árabes, que quase reconquistaram territórios perdidos. A guerra só terminou com um cessar-fogo mediado pela ONU, com apoio dos EUA e da URSS, refletindo as tensões da Guerra Fria. Um dos desdobramentos foi o boicote do petróleo pelos países árabes contra nações que apoiavam Israel, o que aumentou a atenção global sobre o conflito.

Apesar da pressão internacional, Israel não devolveu os territórios conquistados em 1967 após o conflito de 1973. Ainda assim, esse momento foi decisivo para uma mudança no posicionamento do Egito, que passou a buscar o apoio dos Estados Unidos em vez da antiga aliança com a União Soviética. Esse novo alinhamento político permitiu a realização dos Acordos de Camp David, mediados pelo presidente Jimmy Carter em 1978, entre Anwar Sadat (Egito) e Menachem Begin (Israel). Os acordos previam a retirada de tropas israelenses do Sinai em um prazo de três anos, culminando em um tratado de paz oficial assinado em 1979. Esse tratado é considerado um exemplo duradouro de que a paz no Oriente Médio é possível, apesar de suas muitas dificuldades.

Após o Egito, o próximo passo foi a tentativa de acordo com os palestinos. A Organização para a Libertação da Palestina (OLP), criada em 1964, era vista como representante legítima do povo palestino, embora considerada grupo terrorista por Israel até pouco antes dos Acordos de Oslo (1993). Esses acordos, mediados pelos Estados Unidos e realizados na Noruega, representaram um marco histórico: pela primeira vez desde 1948, os palestinos passaram a ter um governo próprio por meio da criação da Autoridade Palestina, ainda que sob ocupação israelense. Esse foi o primeiro reconhecimento mútuo entre Israel e a OLP. Yasser Arafat, líder da OLP desde 1969, tornou-se uma figura central nesse processo, sucedido em 2005 por Mahmud Abbas, que segue no poder até hoje sem novas eleições.

O nacionalismo palestino também se manifestou de forma violenta nas chamadas Intifadas — levantes populares contra a ocupação israelense. A primeira, em 1987, teve como símbolo a imagem de jovens palestinos armados com pedras enfrentando soldados israelenses. A segunda, em 2000, foi desencadeada após uma visita do primeiro-ministro Ariel Sharon à esplanada das mesquitas, local sagrado para os muçulmanos. Essa nova onda de violência levou à construção de um muro separando a Cisjordânia de Israel — considerado medida de segurança por Israel, mas visto como segregação pelos palestinos.

Outro fator importante foi a retirada israelense da Faixa de Gaza em 2005. No ano seguinte, o grupo islâmico Hamas, contrário à existência do Estado de Israel, venceu as eleições locais e passou a governar Gaza. Desde então, o Hamas tem promovido ataques com foguetes contra Israel, resultando em confrontos armados constantes. Com mais de 70 anos desde a partilha da Palestina, um acordo definitivo de paz ainda parece distante, agravado pela expansão de assentamentos israelenses e pela resistência de parte dos palestinos em reconhecer o Estado de Israel.

O Atual Estado de Israel e o Cumprimento das Profecias

A fundação do Estado de Israel em 1948 levanta uma pergunta crucial para muitos cristãos: seria este evento o cumprimento das profecias bíblicas? Para responder adequadamente, é necessário compreender as alianças estabelecidas por Deus com Israel, principalmente a aliança abraâmica e a mosaica, e como elas se conectam com o panorama profético das Escrituras.

A aliança abraâmica, descrita em diversas passagens do Gênesis, foi estabelecida por Deus com Abraão e seus descendentes como uma promessa eterna, incondicional e unilateral. Ela inclui três elementos principais: a posse da terra de Canaã, a multiplicação de uma linhagem justa e a bênção a todas as nações por meio de Israel. O Novo Testamento reafirma essa aliança, destacando que a terra pertencerá para sempre à descendência étnica de Abraão, mesmo que, em determinados períodos, Israel não tenha o direito de habitá-la por causa da desobediência.

É nesse ponto que entra a aliança mosaica, firmada no Monte Sinai. Ao contrário da abraâmica, esta era condicional e bilateral: dependia da obediência do povo de Israel para que pudessem desfrutar plenamente das bênçãos e da permanência na terra prometida. Quando o povo se desviava, como aconteceu durante os cativeiros assírio e babilônico, perdia temporariamente o direito à terra — embora a propriedade continuasse sendo sua por promessa divina. Essa distinção entre promessa e posse ajuda a explicar a situação histórica de Israel e reforça a esperança de uma restauração futura conforme previsto em Deuteronômio 30:1-8.

A terceira aliança relevante é a davídica, feita com o Rei Davi. Ela reafirma o elemento da terra e introduz a promessa de um descendente que governará eternamente — uma referência direta a Jesus, o Messias. Essa aliança também é incondicional e unilateral, e reforça o papel do povo judeu na história escatológica. Joel Richardson explica que todas as alianças se baseiam na promessa inicial feita a Abraão, e que a nova aliança se edifica sobre esses fundamentos.

A nova aliança, embora central no Novo Testamento, é primeiramente anunciada nos profetas do Antigo Testamento (Isaías, Jeremias e Ezequiel). Ezequiel 36, por exemplo, mostra que essa aliança foi firmada com Israel e está ligada tanto à purificação espiritual quanto à restauração à terra. O texto afirma que Deus reunirá os judeus das nações, purificará seus corações e colocará neles o seu Espírito. Essa restauração espiritual e física ainda está em processo, segundo a leitura cristã, e será plenamente realizada no final dos tempos.

Charles Spurgeon, ainda no século XIX, defendeu que haverá tanto uma restauração política quanto espiritual do povo judeu, e que essas duas dimensões se cumprirão sob o reinado glorioso do Messias. Ele não especulava sobre a ordem dos eventos, mas reafirmava sua certeza de que ambas aconteceriam — a volta do povo à terra e a conversão a Deus.

Diante de tudo isso, conclui-se que o atual Estado de Israel representa, sim, um cumprimento parcial das profecias bíblicas — especialmente as que envolvem a restauração nacional e territorial. No entanto, como os judeus ainda não foram restaurados espiritualmente como nação, essa realização é apenas parcial e ainda em andamento. Por isso, embora os cristãos possam se alegrar com o que está acontecendo, devem evitar defender Israel com apoio político irrestrito, lembrando que o Estado moderno também está sujeito a erros. A restauração completa de Israel virá com a conversão nacional e o reconhecimento de Jesus como Messias, em cumprimento à nova aliança.


4. O Filhos de Ismael

O Surgimento do Islã

O estudo do Islã tornou-se ainda mais relevante no cenário contemporâneo, especialmente após os atentados de 11 de setembro de 2001 e a ascensão do Estado Islâmico em 2014, que promoveram atos de extrema violência em nome da religião. Contudo, para além das manchetes e polêmicas, há diversas razões pelas quais os cristãos devem buscar compreender melhor essa fé que, além de ser a segunda maior do mundo, é a que mais cresce globalmente. Estima-se que, até o fim do século XXI, o número de muçulmanos poderá ultrapassar o de cristãos.

Embora o Islã tenha se originado no Oriente Médio, a maioria dos muçulmanos vive atualmente na região da Ásia-Pacífico. Países como Indonésia, Paquistão, Índia, Bangladesh e Irã concentram cerca de 60% da população muçulmana mundial. A Indonésia, inclusive, é hoje o país com o maior número de muçulmanos. Com o crescimento demográfico e a migração, estima-se que até 2050, muçulmanos representarão cerca de 10% da população europeia. Esse panorama apresenta à Igreja cristã desafios não apenas teológicos, mas também missionários e políticos.

O Islã se apresenta como a revelação final de Deus à humanidade, alegando complementar e corrigir as mensagens anteriores do Judaísmo e do Cristianismo. Segundo o Alcorão, essas religiões foram corrompidas: os judeus por não reconhecerem Jesus como profeta e os cristãos por adorarem Jesus como Deus. Para os muçulmanos, era necessário um novo profeta — Maomé — para restaurar a verdadeira fé. Maomé (570–632 d.C.) nasceu em Meca, numa época de predominância politeísta conhecida como jahiliyyah (“ignorância”). Ele pertencia ao clã dos coraixitas e, segundo a tradição islâmica, começou a receber revelações do anjo Gabriel aos 40 anos. Essas mensagens deram origem ao Alcorão, e o núcleo da fé islâmica se resume à submissão total a Deus — origem do termo “Islã”.

Maomé enfrentou resistência em Meca e fugiu para Medina em 622 d.C., evento conhecido como hégira, que marca o início do calendário islâmico. Em Medina, ele estabeleceu o poder religioso e político, recorrendo inclusive à força militar. Posteriormente, conquistou Meca, tornando-a centro espiritual do Islã. Muitos grupos radicais justificam suas ações com base nesse período da vida de Maomé, embora isso ainda gere debates entre teólogos muçulmanos.

A prática islâmica é fundamentada nos cinco pilares do Islã, que todo muçulmano deve observar:

Após a morte de Maomé, surgiu uma das maiores divisões do Islã: xiitas e sunitas. Os xiitas defendiam que o sucessor legítimo de Maomé deveria ser seu genro, Ali ibn Abi Talib, enquanto os sunitas acreditavam que qualquer muçulmano fiel poderia assumir a liderança — e escolheram Abu Bakr. Essa disputa resultou em guerras internas, como a de 661 d.C., com o assassinato de Ali, solidificando a supremacia do sunismo. Até hoje, o sunismo é majoritário, com forte influência na Arábia Saudita, enquanto o xiismo tem grande expressão no Irã. Essa divisão reflete não apenas diferenças religiosas, mas profundas disputas políticas e geoestratégicas no Oriente Médio.

Compreender o Islã, portanto, é essencial para os cristãos de hoje, não apenas para promover o diálogo inter-religioso, mas também para compreender os desdobramentos culturais, políticos e espirituais que envolvem uma fé que impacta bilhões de pessoas ao redor do mundo.

A Teologia Islâmica e os Ensinamentos Cristãos

Embora o Cristianismo e o Islã compartilhem uma base histórica monoteísta comum — tendo Abraão como referência —, as semelhanças entre as duas religiões são mais aparentes do que reais. Uma análise mais profunda revela diferenças teológicas fundamentais que tornam os sistemas mutuamente excludentes, especialmente no que se refere à identidade de Deus, à salvação, à figura de Jesus e à natureza das Escrituras. Esses temas são abordados com profundidade no livro No God but One: Allah or Jesus?, de Nabeel Qureshi, ex-muçulmano convertido ao Cristianismo.

A primeira diferença crucial está entre a Sharia e o Evangelho. No Islã, a salvação está atrelada à obediência à Shariaum código de conduta que abrange desde leis civis até rituais religiosos, considerado o “caminho” para agradar a Alá. A vida de Maomé serve como o maior exemplo de cumprimento da Sharia, e seu comportamento é normativo para os muçulmanos. Já no Cristianismo, o caminho para a salvação é uma pessoa: Jesus Cristo. Como Ele mesmo declarou: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (João 14:6). A obediência, para o cristão, não é o meio de salvação, mas uma consequência da graça recebida pela fé.

Outro contraste importante reside na Tawhid e na Trindade. A Tawhid é o princípio central da teologia islâmica, que afirma a absoluta unicidade de Alá. Isso torna inadmissível qualquer ideia de pluralidade na essência divina, o que faz com que o conceito cristão de Trindade — um só Deus em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo — seja considerado uma blasfêmia no Islã. Apesar disso, há paralelos curiosos: para os muçulmanos, o Alcorão é a eterna Palavra de Alá, revelada ao mundo; para os cristãos, essa Palavra eterna se fez carne na pessoa de Jesus (João 1:1-14). Assim, enquanto o Islã apresenta o Alcorão como a manifestação divina, o Cristianismo apresenta Cristo como a expressão suprema de Deus.

A visão sobre Jesus e Maomé é, talvez, a diferença mais marcante. Para os cristãos, Jesus é o Filho de Deus, plenamente divino e plenamente humano, cuja morte e ressurreição são o fundamento da salvação. Já no Islã, Jesus (Isa) é apenas um profeta importante, negando-se sua divindade, morte na cruz e ressurreição. Maomé, por sua vez, é considerado o “selo dos profetas”, o último e mais perfeito mensageiro de Alá. Qureshi destaca que não é possível comparar diretamente Jesus e Maomé, pois ocupam papéis radicalmente distintos em suas religiões — um é Deus encarnado; o outro, um mensageiro humano.

A diferença entre a Bíblia e o Alcorão também é profunda. Os cristãos creem que a Bíblia foi escrita por homens inspirados por Deus, em contextos históricos específicos, e é considerada inerrante e autoritativa, mas não eterna. Já o Alcorão é visto pelos muçulmanos como a própria Palavra de Alá, não apenas inspirada, mas revelada diretamente por Deus ao profeta Maomé, sem qualquer participação humana em sua redação. Ele é considerado eterno, existente numa tábua celestial. Por isso, o Alcorão só é considerado autêntico em árabe, e sua memorização é um ato de devoção mesmo para muçulmanos que não entendem o idioma.

Diante de todas essas diferenças, fica evidente que o Cristianismo e o Islã são teologicamente incompatíveis. Embora ambas as religiões tenham pontos de contato, como a crença em um Deus criador e em profetas enviados por Ele, suas doutrinas fundamentais são divergentes e, muitas vezes, contraditórias. Portanto, não é correto afirmar que cristãos e muçulmanos adoram o mesmo Deus — cada sistema apresenta um conceito distinto de divindade, revelação e redenção.

O Islã Político

Nos últimos anos, o crescimento e a atuação de grupos extremistas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico popularizaram a teoria do “choque de civilizações”, proposta por Samuel Huntington em 1993. Para o autor, os principais conflitos do mundo contemporâneo não são mais baseados apenas em economia ou política, mas sim em diferenças culturais e religiosas. Segundo ele, as pessoas buscam sua identidade em civilizações, compostas por história, idioma, costumes e religião, o que gera inevitáveis tensões entre blocos civilizatórios distintos. Huntington identifica cerca de oito civilizações principais, incluindo a Islâmica e a Ocidental, que estariam em rota de colisão, especialmente por conta de seus valores contrastantes, o declínio do Ocidente, os efeitos da globalização e o crescimento do regionalismo.

Na visão de Huntington, o conflito entre o Ocidente e o mundo islâmico é um dos mais antigos e intensos. Ele aponta para eventos históricos como as cruzadas, as conquistas otomanas, a divisão do Oriente Médio após a queda do Império Otomano, e as guerras entre árabes e israelenses após a criação do Estado de Israel. A dependência ocidental do petróleo de países islâmicos também agravou a relação, assim como a Guerra do Golfo em 1990. Embora a teoria tenha sido influente, ela não explica completamente a diplomacia moderna, pois até mesmo países teocráticos, como Irã e Arábia Saudita, operam de acordo com regras internacionais. No entanto, a teoria é útil para entender o comportamento de grupos religiosos transnacionais, como o Estado Islâmico.

Para compreender a atuação desses grupos, é essencial conhecer o conceito de Islã Político ou Islamismo. Apesar de muitas vezes estar associado à violência, o Islã político não surgiu com esse propósito, mas também não condena de forma clara o uso da violência para alcançar seus fins. O islamismo busca estabelecer uma sociedade regida pela Sharia (lei islâmica) e inspira-se diretamente na vida de Maomé, inclusive nos aspectos bélicos de sua atuação. Isso prepara o terreno ideológico para ações extremistas em nome da fé.

O Islã nasceu no século VII com Maomé, que afirmou ter recebido revelações do anjo Gabriel. Seus ensinamentos foram compilados no Alcorão, e sua jurisprudência nos hadiths. Juntos, formam a base da Sharia, que é adotada como sistema jurídico em alguns países islâmicos. A religião, portanto, desde sua origem, não está separada da política ou do poder militar. O Islã político, então, é a utilização da religião como instrumento político por grupos que buscam implementar um modelo teocrático, baseado na Sharia e sob a liderança de um califa. Essa ideologia se opõe frontalmente aos princípios democráticos ocidentais, como a liberdade individual e os direitos civis.

O islamismo não é apenas uma ideologia política, mas também um movimento social. Ele propõe uma alternativa ao modelo ocidental secular, sendo ao mesmo tempo antiocidental, antimodernista e anticapitalista, ainda que com críticas semelhantes às do marxismo. No entanto, sua originalidade está na proposta de um programa social alternativo, baseado na restauração dos valores e estruturas islâmicas. A Sharia, nesse contexto, é tratada não como um código fechado, mas como um método de dedução jurídica e moral aplicável a todas as áreas da vida — da família à política.

Importante destacar que nem todos os muçulmanos aderem ao Islã político, e muitos rejeitam o uso da violência em nome da fé. Pesquisas do Pew Research Center mostram que a maioria dos muçulmanos ao redor do mundo é contra atentados terroristas e não apoia grupos como o Estado Islâmico. Isso demonstra a complexidade do tema e a diversidade de posicionamentos dentro do Islã, que é seguido por quase dois bilhões de pessoas em contextos culturais e nacionais muito distintos.

Islã: A Religião do Anticristo?

Ao estudarmos as profecias bíblicas sobre os últimos dias, um dos temas centrais é a identidade do Anticristo — personagem presente no livro de Apocalipse e também mencionado por Daniel como alguém que surgirá antes da volta de Cristo, perseguirá Israel e enganará as nações. Durante muito tempo, a interpretação predominante entre os cristãos foi a de que o Anticristo surgiria da Europa, como uma figura ligada à reconstrução do Império Romano, com base na visão dos quatro reinos em Daniel 2. No entanto, essa interpretação tem sido questionada por autores como Joel Richardson, que propõe a tese de um Anticristo islâmico, considerando tanto o contexto bíblico do Oriente Médio quanto elementos da própria escatologia islâmica.

Daniel 2 descreve uma estátua com cabeça de ouro, peito de prata, ventre de bronze e pernas de ferro com pés de ferro e barro. Tradicionalmente, interpreta-se essa sequência como sendo os impérios da Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Contudo, Richardson argumenta que o Império Romano não cumpriu completamente os critérios proféticos, como a dominação geográfica e cultural de todos os reinos anteriores. Já o Império Islâmico, que teve início com o califado Rashidun após a morte de Maomé e se consolidou no Império Otomano, estendeu-se sobre toda a região dos reinos anteriores, inclusive Jerusalém — o centro geográfico das profecias bíblicas.

A escatologia islâmica também apresenta elementos intrigantes. A maioria dos muçulmanos — tanto sunitas quanto xiitas — acredita em três personagens escatológicos: o Mahdi, Isa (Jesus muçulmano) e Ad-Dajjal (o falso messias). O Al-Mahdi é visto como um descendente de Maomé que surgirá no fim dos tempos para liderar uma jihad global e estabelecer a supremacia do Islã no mundo. Ele conquistará Jerusalém e governará como líder espiritual e político. Essa figura corresponde, na leitura cristã proposta por Richardson, à descrição do Anticristo em Apocalipse 13 e Daniel 7, como um líder mundial que dominará as nações e perseguirá os santos.

Após o surgimento do Mahdi, o Islã ensina que Jesus (Isa) retornará à terra. No entanto, esse “Jesus islâmico” não é o Filho de Deus conforme a fé cristã. Ele virá para confirmar o Alcorão, negar a divindade de Cristo, destruir o Cristianismo e ajudar o Mahdi a tornar o Islã a religião global. Essa figura se aproxima, segundo Apocalipse 13, do papel do falso profeta — alguém que atua ao lado do Anticristo para enganar as nações com sinais e prodígios, promovendo uma falsa adoração.

Já o Ad-Dajjal é descrito como um falso messias, um judeu que alegará ser Deus, realizará sinais e atrairá seguidores. Segundo a escatologia islâmica, ele será derrotado por Isa. Richardson propõe que essa figura se assemelha, na visão islâmica, ao verdadeiro Jesus da fé cristã. Ou seja, o Jesus bíblico seria o “enganador” na narrativa islâmica, e o messias islâmico seria, na verdade, o Anticristo da narrativa cristã.

Essa oposição direta entre os personagens escatológicos das duas religiões revela uma antítese profunda e irreconciliável. Os muçulmanos aguardam um salvador que, à luz das Escrituras cristãs, representa o maior inimigo de Deus. Por isso, a hipótese de que o Anticristo será uma figura islâmica ganha força, especialmente considerando que grupos jihadistas já se utilizam desses elementos escatológicos como motivação para seus atos. O Estado Islâmico, por exemplo, declarou pretender estabelecer o califado global e anunciou batalhas finais contra os "romanos", linguagem que remete ao fim dos tempos.

Por fim, embora essa visão possa parecer polêmica, não se trata de alimentar hostilidade contra muçulmanos, mas sim de reconhecer que os sistemas teológicos do Islã e do Cristianismo são incompatíveis e que suas expectativas escatológicas se chocam de forma radical. Esse entendimento pode auxiliar os cristãos a discernirem melhor os sinais proféticos e também a se engajarem com sabedoria no diálogo e na missão entre os povos muçulmanos. A aula, portanto, introduz esse debate com base nas obras de Joel Richardson, que serão aprofundadas nas próximas lições.

Filhos de Ismael: As Promessas de Deus para os Árabes

À medida que estudamos as profecias e promessas bíblicas, é comum perceber um foco predominante sobre Israel e o povo judeu. No entanto, a Escritura revela que o plano redentor de Deus sempre foi incluir todas as nações, não apenas os descendentes de Isaque. Os filhos de Ismael, isto é, os povos árabes, também fazem parte do plano soberano de Deus e recebem promessas específicas nas Escrituras. O propósito da escolha de Israel nunca foi excludente, mas sim instrumental: Deus escolheu Israel para abençoar todas as famílias da terra (Gênesis 12:3).

Essa inclusão das nações se manifesta no chamado missionário de Jesus: pregar o evangelho a toda criatura e fazer discípulos de todas as etnias (Mateus 24:14; 28:19). Isso demonstra o amor de Deus pelos árabes, turcos, curdos, yazidis, sunitas, xiitas e todos os povos do Oriente Médio. Contudo, além do amor universal, há promessas específicas para os descendentes de Ismael. Em Gênesis 17:18-21, Deus promete abençoar Ismael, multiplicar sua descendência e fazê-lo pai de doze príncipes e de uma grande nação — embora a aliança principal fosse com Isaque. Isso mostra que Ismael não foi um acidente, mas parte integrante do plano divino.

Ismael também foi incluído na prática da circuncisão, sinal da aliança com Abraão (Gênesis 17:22-27), indicando que ele e sua descendência receberiam bênçãos espirituais e físicas. Ainda antes de seu nascimento, em Gênesis 16, o Anjo do Senhor aparece a Hagar no deserto e profetiza que Ismael teria uma descendência numerosa, embora marcada por conflitos. Mesmo assim, essa aparição revela o cuidado pessoal de Deus por Hagar e seu filho, e seu nome — “Ismael” — significa “Deus ouve”.

Historicamente, muitos dos povos árabes descendem de Ismael, e a tensão entre árabes e judeus pode ser compreendida como um conflito familiar, que um dia terá fim. De acordo com Romanos 11:25-26, a salvação nacional de Israel acontecerá após a plenitude dos gentios. Curiosamente, o profeta Isaías descreve em seu capítulo 60 uma cena gloriosa do futuro, onde povos descendentes de Ismael — como Midiã, Efá, Sabá, Quedar e Nebaiote — virão a Jerusalém com ofertas e adoração ao Senhor, participando da restauração final.

Esses povos, mencionados por Isaías, não são apenas simbólicos, mas historicamente ligados aos filhos de Ismael. Isso indica que, no final dos tempos, muitos árabes também reconhecerão o Messias e farão parte do culto ao Deus de Israel. Essa restauração não é apenas escatológica, mas também missionária, pois os árabes serão instrumentos para provocar Israel ao ciúmes, conforme Romanos 11:11.

Um vislumbre profético desse encontro entre árabes e judeus pode ser visto nos magos do Oriente que vieram adorar Jesus em Belém (Mateus 2). Esse ato antecipa o tempo em que as nações, incluindo os povos árabes, virão a Jerusalém para adorar o Messias. Essa visão deve inspirar os cristãos a intercederem pela paz no Oriente Médio, a amarem os povos árabes e a se engajarem com missões, reconhecendo que os filhos de Ismael também estão nos planos eternos de Deus.

Como Compartilhar o Evangelho com Muçulmanos

O Cristianismo e o Islã são duas religiões proselitistas e exclusivistas, o que significa que ambas creem ser detentoras da verdade e buscam o convencimento de novos seguidores. Isso levanta a questão: como compartilhar o Evangelho com os muçulmanos de forma que eles compreendam nossa mensagem com clareza e respeito? Para essa tarefa, é essencial compreender bem os pontos de contato e de divergência entre as duas crenças, a fim de construir pontes e evitar equívocos. A aula se baseia na obra “O Evangelho para Muçulmanos”, de Thabiti Anyabwile, um ex-muçulmano convertido a Cristo, que oferece conselhos práticos e teológicos para essa missão.

Primeiramente, é importante lembrar que o Islã também se considera uma religião revelada. Ele crê que Deus se manifestou à humanidade por meio de profetas e de livros sagrados, como o Torá, os Salmos, o Evangelho e, por fim, o Alcorão. O próprio Alcorão contém passagens que reconhecem a autoridade da Bíblia (como em Sura 5:46-47), embora a maioria dos muçulmanos acredite que ela tenha sido corrompida ao longo do tempo. Isso oferece uma oportunidade apologética: mostrar, com base no próprio Alcorão, que a Bíblia é uma revelação verdadeira e confiável. A partir daí, os maiores desafios são explicar doutrinas centrais como o pecado original, a Trindade e a salvação pela fé.

Para os muçulmanos, não existe o conceito de pecado original. Eles veem o pecado mais como uma fraqueza humana do que como uma transgressão contra a santidade de Deus. Por isso, não entendem a necessidade de um Salvador. Nesse ponto, o cristão deve apresentar a realidade do pecado como algo que fere profundamente a glória de Deus e que torna o ser humano espiritualmente morto e incapaz de se salvar por méritos próprios. O Evangelho revela que apenas o sacrifício de Jesus Cristo, o Filho de Deus, pode satisfazer a justiça divina e trazer reconciliação. Essa é uma das verdades mais difíceis de ser aceita por muçulmanos, pois muitos consideram a ideia de um homem inocente morrer pelos culpados como uma afronta à justiça — o que torna ainda mais necessário explicar que se trata do próprio Deus encarnado assumindo o nosso lugar.

Além disso, há uma diferença conceitual importante sobre arrependimento e fé. Para muitos muçulmanos, essas palavras não têm o mesmo peso e significado que no cristianismo. Por isso, é essencial explicar o que significa nascer de novo, ser nova criatura e confiar na obra consumada de Cristo na cruz.

A aula também apresenta conselhos práticos para evangelizar muçulmanos:

Evangelizar muçulmanos não é uma tarefa simples, mas é um chamado que exige coragem, conhecimento, amor e dependência do Espírito Santo. O cristão deve estar preparado para ouvir, respeitar e dialogar, sem abrir mão da verdade do Evangelho, que é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê — inclusive dos nossos irmãos muçulmanos.

Primavera Árabe

A chamada Primavera Árabe, iniciada em dezembro de 2010, marcou um momento decisivo na história recente do Oriente Médio. O estopim foi o ato extremo de Mohamed Bouazizi, um vendedor de frutas tunisiano que ateou fogo ao próprio corpo em protesto contra abusos das autoridades. Esse episódio desencadeou uma onda de manifestações populares em vários países árabes, inicialmente impulsionadas por demandas de liberdade, justiça social e fim da corrupção. Na Tunísia, a “Revolução Jasmim” levou à queda do presidente Ben Ali. Movimentos semelhantes ocorreram na Líbia, Egito, Síria, Iêmen e outros países. Em alguns casos, resultaram na derrubada de regimes autoritários; em outros, como na Síria, provocaram guerras civis sangrentas e duradouras.

O início da Primavera Árabe alimentou a expectativa de uma nova era de democracia na região. Contudo, à medida que os anos passaram, o que se viu foi uma intensificação do caos, da repressão e da violência. O caso mais emblemático dessa virada foi o surgimento do Estado Islâmico (EI). O grupo nasceu no Iraque em 2006, no vácuo deixado pela queda de Saddam Hussein, e ganhou força com o colapso sírio em 2014. Nesse ano, sob a liderança de Abu Bakr al-Baghdadi, o EI tomou Mossul e proclamou o “Califado Islâmico”, revivendo uma estrutura teocrática extinta desde o fim do Império Otomano em 1924.

Durante os anos de 2014 a 2017, o Estado Islâmico chegou a controlar vastas áreas na Síria e no Iraque, impondo uma interpretação extremamente radical da Sharia e cometendo atrocidades contra minorias religiosas, como cristãos e yazidis. Os cristãos foram marcados com a letra “N” (de “nasrani” – nazareno) e receberam quatro opções: converter-se ao Islã, pagar um imposto islâmico (jazya), serem executados ou fugirem. Já os yazidis, acusados de “adorar Satanás”, foram ainda mais brutalizados: milhares foram assassinados, e mulheres e meninas foram vendidas como escravas sexuais. O ataque de agosto de 2014 ao Monte Sinjar resultou em milhares de refugiados e deslocados internos, com um enorme impacto humanitário.

A Guerra Civil Síria é outro exemplo trágico dos efeitos da Primavera Árabe. Iniciada em 2011, ela rapidamente se transformou em um conflito sectário, com o governo de Bashar al-Assad sendo apoiado por Rússia, China e Irã, enquanto diversos grupos opositores, incluindo jihadistas como a Frente Nusra e o próprio EI, intensificavam o caos. Assad, diante da resistência, utilizou métodos brutais de repressão, incluindo armas químicas contra civis, e transformou o país em um campo de batalha complexo e fragmentado. Em 2019, apesar de Assad ter recuperado parte do controle territorial, a crise humanitária permanece: mais de 11 milhões de sírios estão deslocados, seja internamente ou como refugiados.

Outro país profundamente afetado é o Iêmen, frequentemente esquecido pela mídia. A deposição do presidente Ali Abdullah Saleh em 2011 intensificou tensões entre sunitas e xiitas, culminando na ascensão dos rebeldes huthis (apoiados pelo Irã) e na reação da Arábia Saudita (representando os sunitas). Essa guerra por procuração entre potências regionais mergulhou o Iêmen na pior crise humanitária do mundo. Segundo a ONU, cerca de 24 milhões de pessoas – 80% da população – precisam de ajuda humanitária. Mais de 17 mil pessoas foram mortas ou feridas, e mais de 3 milhões foram forçadas a fugir de suas casas.

Diante desse cenário de colapso político, sofrimento humano e perseguição religiosa, a Igreja é desafiada a oferecer uma resposta bíblica, compassiva e missionária. A compreensão dessas realidades deve nos mover à oração, ao engajamento com a causa dos refugiados e à proclamação do evangelho entre povos feridos e sem esperança. Este é o pano de fundo para refletirmos, nos próximos encontros, sobre como o Corpo de Cristo pode agir de forma prática, profética e redentora no contexto do Oriente Médio contemporâneo.