5. Salvação
A narrativa da Queda do Homem, em Gênesis 3, não é apenas a origem do pecado na história humana — é o epicentro de uma crise cósmica que afetou todas as dimensões da existência. O gesto de rebelião de Adão e Eva rompeu o equilíbrio que sustentava a criação, desencadeando quatro rupturas imediatas e profundas: com Deus (dimensão teológica), consigo mesmo (antropológica), com o próximo (sociológica) e com a criação (ecológica).
Esses rompimentos revelam que o pecado não é apenas uma transgressão moral, mas uma força desintegradora que fragmenta a vida em todas as suas expressões. Por isso, compreender essas dimensões é essencial para entender o escopo do plano de salvação. A redenção em Cristo não visa apenas levar indivíduos ao céu, mas restaurar a totalidade da criação — conforme o propósito eterno de Deus, de “restaurar todas as coisas” (Atos 3:21).
1. O rompimento entre o homem e Deus (Dimensão Teológica): No cerne da Queda está uma ruptura de confiança. De maneira sutil e enganosa, a serpente semeia dúvidas sobre o caráter de Deus: “Será que Deus é realmente bom? Será que Ele está escondendo algo de vocês?” (Gênesis 3). Essa semente gerou o pecado da independência, a tentativa humana de viver sem sujeição ao Criador. O homem quis ser “como Deus”, determinando por si só o que é certo e errado.
Essa desconexão espiritual é o rompimento mais grave, pois tudo flui a partir da comunhão com Deus. Sem Ele, o ser humano está espiritualmente morto (Efésios 2:1). O plano de salvação, portanto, começa com a reconciliação com o Pai. Em Cristo, essa ponte é restaurada: “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2 Coríntios 5:19). Jesus, o “Caminho”, é o novo acesso ao Pai (João 14:6). A redenção começa por essa restauração vertical — do homem com Deus.
2. O rompimento entre o homem e si mesmo (Dimensão Antropológica): A Queda também abalou profundamente a identidade humana. Medo, vergonha e culpa passaram a habitar o coração do homem. Ele perdeu o senso de propósito e valor, e começou a se esconder — não apenas de Deus, mas até de si mesmo. Como já expressou Dostoiévski, “há na alma humana um vazio do tamanho de Deus” — um abismo interior que nada neste mundo é capaz de preencher.
O pecado gerou o existencialismo. Perguntas como: "De onde vim?", "Por que estou aqui?" e "Para onde vou?" passaram a inquietar o coração humano ao longo da história. Desde os tempos antigos, filósofos têm tentado encontrar respostas para essas questões fundamentais, mas, mesmo após milhares de anos, continuam sem uma resposta definitiva. Isso porque o verdadeiro sentido da existência só pode ser encontrado em Deus — como vimos na primeira aula.
O plano de salvação inclui a restauração da verdadeira identidade: em Cristo, tornamo-nos “nova criatura” (2 Coríntios 5:17). O Espírito Santo regenera nossa mente, cura nossas emoções e nos reconecta com o propósito original de Deus. O Evangelho nos liberta da condenação e nos revela como filhos amados (Romanos 8:15-16). A graça não apenas perdoa — ela restaura quem somos.
3. O rompimento entre o homem e o próximo (Dimensão Sociológica): O pecado gerou egoísmo — e com ele vieram a rivalidade, a injustiça, a inveja e as dissensões. Os efeitos foram imediatos nas relações humanas: divisões, vergonha, acusação, afastamento. Logo após a Queda, já se percebe a ruptura nos vínculos mais essenciais. Pouco depois, em Gênesis 4, ocorre a primeira tragédia fratricida da humanidade: Caim mata seu irmão Abel. A pergunta de Caim ecoa ao longo da história: “Sou eu o guardador do meu irmão?” A resposta, implícita em toda a Escritura, é clara: “Sim, você é.”
O amor esfriou. Mas o Evangelho nos chama à comunhão restaurada: a amar como Cristo amou (João 13:34), a viver em unidade (Efésios 4:3), a carregar as cargas uns dos outros (Gálatas 6:2). A salvação em Cristo não é apenas vertical — ela também é horizontal. A cruz tem duas direções: reconcilia com Deus e reconcilia com o próximo. A nova comunidade do Reino é o sinal visível dessa restauração.
4. O rompimento entre o homem e a criação (Dimensão Ecológica): Por fim, o pecado também gerou uma verdadeira hecatombe — um colapso de proporções catastróficas, com desordem, sofrimento e morte em larga escala. A desordem provocada pela Queda não afetou apenas o ser humano, mas alcançou toda a criação. A harmonia ecológica foi quebrada, e a terra passou a sofrer as consequências da corrupção. Como afirma o apóstolo Paulo em Romanos 8, “a criação foi sujeita à vaidade” e hoje “geme, aguardando com ardente expectativa a sua redenção.” A natureza, que antes cooperava em perfeita sintonia com o homem e com Deus, agora sofre sob o peso da queda, ansiando pela restauração plena.
A boa notícia é que o plano de salvação também inclui o cosmos. Deus não vai apenas nos tirar da Terra — Ele vai renovar todas as coisas: “Novos céus e nova terra” (Apocalipse 21:1). A cruz de Cristo é cósmica. Em Colossenses 1:20, está escrito que, pelo sangue da cruz, Deus reconciliou “consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus”.
A Redenção: O Caminho da Restauração: Desde o Éden, Deus já sinalizava o caminho da salvação. Em Gênesis 3:15, o Protoevangelho anuncia o descendente da mulher que esmagaria a cabeça da serpente — Cristo, o Redentor. Ele veio para desfazer a obra do diabo (1 João 3:8), e inaugurar um novo começo para toda a criação.
Na cruz, Jesus carregou sobre si todas as rupturas. Foi abandonado para nos reconciliar com o Pai; foi ferido para nos curar por dentro; foi desprezado para unir os separados; e morreu para inaugurar uma nova criação. A salvação é, portanto, um plano integral: abrange o espírito, a alma, o corpo, os relacionamentos e até o universo material.
A Queda fragmentou tudo. Mas em Cristo, tudo pode ser restaurado. O Evangelho é mais do que uma mensagem de perdão — é a proclamação de que Deus está fazendo novas todas as coisas (Apocalipse 21:5). A cruz de Jesus é o ponto de reconciliação universal: une o homem a Deus, reconcilia irmãos, restaura a identidade interior e promete redenção para toda a criação.
5.1 Protoevangelho
A primeira promessa de redenção da humanidade aparece logo após a Queda, em Gênesis 3:15. Esse versículo é conhecido como o Protoevangelho — o "primeiro evangelho". Nele, Deus declara à serpente: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o descendente dela; este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gênesis 3:15). O texto não fala da descendência do homem, mas da descendência da mulher — uma escolha linguística e teológica intencional. Essa referência aponta, profeticamente, para um nascimento singular, diferente de todos os outros: o nascimento virginal do Messias.
Em toda a Escritura, a genealogia e a descendência são contadas por meio dos homens. Contudo, aqui, de forma única, a promessa é feita à descendência da mulher, indicando algo extraordinário. Essa profecia só poderia se cumprir plenamente em Jesus Cristo, concebido não por um pai humano, mas pelo Espírito Santo, no ventre da virgem Maria. Como diz o anjo Gabriel: “O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lucas 1:35).
Jesus nasceu sem o envolvimento de um homem, não herdando, portanto, o DNA de Adão, marcado pela natureza caída do pecado. Ele não participou da corrupção transmitida por herança desde o Éden. Sendo gerado pelo Espírito Santo, Ele era plenamente santo desde o nascimento, o segundo Adão, vindo ao mundo para redimir o que o primeiro Adão havia perdido (cf. Romanos 5:12-19; 1 Coríntios 15:45).
Essa concepção virginal não é um detalhe místico, mas uma necessidade teológica. Se Jesus tivesse sido gerado de maneira natural, com pai e mãe humanos, Ele herdaria a mesma natureza pecaminosa da humanidade. Mas para ser o Salvador, Ele precisava ser sem pecado (Hebreus 4:15), e ao mesmo tempo, verdadeiramente humano — por isso nasceu de uma mulher. Jesus é, portanto, o único capaz de esmagar a cabeça da serpente, porque é divino e humano ao mesmo tempo, sem pecado, nascido da mulher, mas não segundo a carne do homem.
Assim, o Protoevangelho se cumpre de forma perfeita em Cristo. Ele é o descendente prometido, o Filho da mulher, gerado pelo Espírito, o único capaz de vencer a serpente, destruir o poder do pecado e restaurar a comunhão com Deus. Nenhum outro nascimento poderia cumprir essa promessa. Só Jesus.
5.2 As Ordenanças
Estamos trilhando uma jornada pelo Evangelho de Mateus que, para nós, está chegando ao fim. Ao longo dessa caminhada, fomos confrontados com a realidade da Queda do Homem, descrita em Gênesis 3 — uma rebelião que gerou quatro rompimentos profundos: com Deus, com o próximo, consigo mesmo e com a criação. Essa desconexão marcou toda a existência humana com dor, confusão, morte e separação. O salário do pecado, como ensina Paulo em Romanos 6:23, é a morte — espiritual, emocional e até ecológica.
No entanto, Deus não nos deixou sem saída. Desde o Éden, Ele prometeu um Redentor, e essa promessa se cumpriu em Jesus Cristo. Como lemos em João 3:16, “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” Jesus veio ao mundo como o único homem sem pecado, e por isso, o único que não merecia morrer. Mas Ele escolheu morrer em nosso lugar, tomando sobre si a culpa de toda a humanidade. Sua morte e ressurreição abriram um novo e vivo caminho, conduzindo-nos da morte para a vida (Hebreus 10:20).
Se o homem, em Adão, caminhou da vida para a morte, Jesus, o novo Adão, trilhou o caminho inverso: da morte para a vida. Ele inaugurou uma nova criação e ofereceu reconciliação total — com Deus, com o próximo, conosco mesmos e com toda a criação. A cruz é o ponto de reencontro. A ressurreição é o selo da vitória.
No relato de João sobre a crucificação, há um detalhe simbólico e poderoso: “Um dos soldados lhe abriu o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água” (João 19:34). Este momento ecoa o nascimento espiritual da Igreja. Assim como Eva foi formada do lado de Adão adormecido, a Igreja nasceu do lado aberto de Cristo crucificado. O sangue e a água que fluem desse lado ferido não são apenas sinais físicos — são símbolos profundos das duas ordenanças que Jesus deixou à sua Igreja: o Batismo e a Ceia do Senhor.
Jesus nunca pediu que nos lembrássemos de seu nascimento, mas ordenou que nos lembrássemos da sua morte e ressurreição.
5.3 Batismo em Cristo e nas Águas
Como João relata em seu evangelho, ao ser traspassado na cruz, do lado de Jesus jorraram sangue e água — não apenas um detalhe médico ou simbólico, mas uma imagem profunda: dali nascia a Igreja, o novo povo de Deus, gerado do lado ferido do Salvador. Sangue e água — os dois elementos que apontam para as duas ordenanças deixadas por Cristo: a ceia do Senhor e o batismo.
Esses dois atos, simples à vista humana, carregam um peso eterno. Eles são os símbolos visíveis da nossa aliança com Cristo, nos lembrando constantemente da sua morte, ressurreição e do novo nascimento que recebemos pela fé. A Bíblia apresenta dois grupos principais de batismos: o batismo em Cristo e em água; e, em outra dimensão, o batismo no Espírito Santo e com fogo — este último será explorado mais profundamente no curso NEXT LEVEL. Mas nesta etapa, focamos no batismo em Cristo e em água.